Internet, conteúdo e projetos

Meu primeiro trabalho como repórter foi no jornal diário BOM DIA, em Bauru-SP, escrevendo para as editorias de Polícia e Cotidiano, em 2010. Como freelancer, tenho reportagens publicadas nos portais Alma Preta, Outras Palavras, Brasil de Fato, Ponte, Trip, Nonada e Revista Piauí. Abaixo, e também na lateral direita desta página, você encontra alguns desses trabalhos.

Durante as pesquisas para o mestrado em Mídia e Tecnologia, pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), aprofundei-me nos temas relacionados ao jornalismo cultural e criei o portal Interior Cultural. O site está no ar desde meados de 2016, com a proposta de divulgar a arte e seus agentes. Atualmente, o projeto está parado, mas foi uma importante experiência de criação de mídia independente.

Atualmente, trabalho como freelancer e tenho interesse por pautas relacionadas a cultura popular, direitos humanos, política e bem-estar.

[Le Monde] As dores daquelas que lutam pela terra

Texto publicado nas versões impressa e digital do Le Monde Diplomatique Brasil. Para ler a versão original, clique aqui.

Às margens da rodovia Comandante João Ribeiro de Barros, que liga as cidades de Bauru e Jaú, no interior do estado de São Paulo, está o assentamento Horto de Aimorés. Quem dirige sobre o asfalto bem cuidado facilmente ignora a realidade que se sustenta por trás da barreira de eucaliptos vista no trajeto. No livro-reportagem Mulheres assentadas: mães de todas as lutas, publicando pela editora Feminas, a jornalista e escritora Tamiris Volcean convida o leitor a adentrar esse espaço, feito de terra vermelha, sol e suor.

Além do Horto de Aimorés, a autora realizou sua pesquisa em mais dois assentamentos: Zumbi dos Palmares, no município de Iaras (SP), e Boa Esperança, em João Ramalho (SP). A imersão nessas terras permitiu a colheita dos relatos e observações para a semeadura de uma narrativa sensível e incômoda.

Assuntos comuns ao cotidiano das mulheres são apresentados no livro com uma camada a mais de brutalidade. Violência doméstica, abandono e jornadas duplas ou triplas machucam ainda mais quando não há água ou alimento para refrescar a pele e acalentar o estômago.

Numa das passagens, Tamiris apresenta o relato de Cleonice, moradora do Horto de Aimorés. O cotidiano de cuidado com os filhos, a fome e o trabalho intenso com a terra levaram-na a descobrir tardiamente mais uma gestação. Quando sentiu as dores do parto, estava sozinha. Chegou ao Hospital Estadual de Bauru graças a uma carona conseguida na beira da rodovia. Sem ser consultada pela equipe médica, foi submetida a uma cirurgia cesariana. A violência obstétrica seria o início de uma série de agressões. Ao informar ser moradora do assentamento, a mulher passou a ser negligenciada pelos profissionais.

“Saiu do hospital com a criança no colo e a mesma roupa do dia anterior, os pontos da cesárea latejando em seu ventre e o olhar perdido de quem questiona por que sua maternidade recebe menos cuidado do que todas ao seu redor”.

Em outro trecho, a jornalista nos permite acessar a lembrança traumática de Cleusinha, moradora do assentamento Boa Esperança, dos tempos em que ela vivia sob a lona de um acampamento e esteve entre as vítimas de uma ação policial. A mulher “se lembra de ter visto uma mãe aos prantos em frente à lona murcha porque o berço conseguido a tanto custo para o seu bebê estava escangalhado”. As ações violentas de retirada dos acampados das terras improdutivas não respeitam histórias individuais. São incapaz de enxergar as mãos de mulheres que transformam terra vermelha em vida. Enfrentando essa brutalidade, Tamiris usa a literatura para afirmar: essas mulheres existem, resistem e lutam.

Com as histórias escolhidas para essa obra, a autora espalha sementes para a colheita de novas narrativas sobre sujeitos que somam à violência do patriarcado as dores de quem insiste em buscar seu espaço para plantar e ver brotar a justiça social.

NONADA – Sem apoio contínuo do Estado, mestres da cultura popular morrem de covid-19

Texto publicado no Portal Nonada. Para ler a reportagem original, clique aqui.

Mestre Verino tem 90 anos e é um dos cirandeiros mais velhos de Paraty (RJ). Na juventude, ele trabalhava como servente de pedreiro e tocava ciranda caiçara nos bailes de roça. Tentou aprender viola e violão, mas se deu bem mesmo com o bandolim, instrumento que dedilha até hoje, acompanhando o som com versos que falam da vida rural, da pesca e de outras experiências presentes na história da região onde vive. Os aprendizados na música vieram da prática e das vivências com os colegas de ciranda. Em 2020, Verino teve Covid 19, passou dois dias internado e voltou para casa.

Com o mestre Julinho de Souza, também cirandeiro, o contágio foi fatal. Barqueiro e tocador de cavaquinho, ele morreu aos 70 anos, deixando saudades nos companheiros de música e de vida.

“Não dá para mensurar o tamanho dessas perdas, porque eram mestres importantíssimos para a ciranda de Paraty. Cada um tinha sua linguagem, a sua particularidade de tocar, cada mestre desses tinha versos diferentes”, avalia Fernando Alcântara, jovem cirandeiro da cidade. Além de acompanhar o trabalho dos mais velhos, ele faz parte do Grupo Cirandeiro de Parati, com outros jovens que buscam dar continuidade a essa tradição.

Alcântara fala no plural porque Julinho não foi o único cirandeiro que partiu recentemente. Em Paraty, outros cinco mestres morreram no período da pandemia, porém, nem todos por causa do vírus da Covid 19. Em alguns casos, como o de João Paciência, 68, tocador de pandeiro e adufe, há a suspeita de morte em decorrência das sequelas deixadas pelo vírus. Ele foi vítima de um AVC dias depois de se curar da Covid 19.

Na capital carioca, a Folia de Reis Penitentes do Santa Marta também sofreu com a perda de um mestre, vítima da Covid 19. Mestre Riquinho morreu aos 62 anos, quando assumia a função mais importante do grupo. Ele era o responsável por repassar, através da oralidade, o conhecimento sobre aquela tradição aos demais participantes, entoando os versos repetidos pelo coro ao ritmo do seu banjo.

“Depois dessa perda, a primeira coisa que a gente pensou foi em não sair mais com a folia, mas o próprio filho dele falou que o pai ia ficar muito feliz de a gente continuar”, lembra Ronaldo Junior, sobrinho do mestre.

Formada em 1955, atualmente, a Folia do Santa Marta tem 30 integrantes. Além de estar à frente do grupo entre os anos 2010 e 2020, mestre Riquinho foi um dos fundadores da Escola de Folia de Reis Mestre Diniz, que oferece oficinas de atividades ligadas à Folia de Reis para as crianças da comunidade do morro Santa Marta.

“Foi um baque muito grande, mas a gente viu que o melhor jeito de homenagear ele seria não deixar a folia morrer, senão tudo que ele construiu iria por água abaixo”, diz Junior.

Aos nomes de Riquinho e Julinho, somam-se outros mestres e mestras da cultura popular vítimas da Covid, em diferentes cidades do Brasil. Mestre Joel Menezes, um dos responsáveis por levar a capoeira para São Paulo tornando-se referência dessa prática no estado, morreu em junho de 2020, aos 76 anos. Em 2021, a capoeira também perdeu o mestre Luiz Paulo Lima, aos 61 anos, importante nome da tradição capixaba. No Sergipe, o mestre Deca, pioneiro do Cacumbi, manifestação cultural local, foi outra vítima da pandemia. Mestre Chocho e mestre Jaime, ancestrais de Pernambuco, também morreram por complicações da doença.

Em Santarém Novo, no Pará, o casal de mestres do Carimbó, Seu João Bernardo de Souza e Dona Ana Lopes Botelho de Souza foram vítimas da pandemia em 2020, aos 80 e 79 anos, respectivamente. Como legado, deixaram o grupo de Carimbó Trinca Ferro Mirim, formado por crianças.

“A relevância deles aqui na nossa cidade era muito grande, porque além de serem senhores moradores da minha cidade, filhos da terra, eles conheciam muito, eram ricos em cultura. Eles incentivavam jovens a sempre estarem praticando, fazendo as danças pra cultura não acabar”, lembra Vittor Fabrício, integrante do grupo Os Quentes da Madrugada – Carimbó São Benedito, do qual Seu Bernardo e Dona Ana também faziam parte.

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), não existem dados quantitativos sobre a morte de mestras e mestres durante a pandemia. Em nota, o instituto informa que “por se tratarem de manifestações culturais intrinsecamente dinâmicas e com ocorrências por todo território nacional, não é possível identificar à exaustão o universo completo dessas práticas, tampouco mapear e localizar, de forma precisa, todos os detentores e seus grupos”.

Para quem acompanha essas manifestações, as perdas podem ser mensuradas de outras formas. De acordo com Jaqueline de Oliveira Silva, doutora em Antropologia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), quando morre um mestre, se perde uma biblioteca. A frase é atribuída a uma sabedoria africana.

Grupo Os Coroas Caiçaras, com mestre Verino (à esquerda), foi um dos grupos da ciranda caiçara em Paraty (Foto: Diadorim Ideias/ Isabela Kassow)
“Essa passagem de vários mestres e mestras que guardam diversos saberes que não estão escritos em nenhum lugar, formas de lidar com o mundo, jeitos de ver e de organizar o próprio conhecimento, isso se vai com as pessoas”, diz.

O fotógrafo Ratão Diniz acompanha e registra, desde 2005, diversas manifestações populares brasileiras. Em suas andanças pelo Brasil, ele fotografou a Folia dos Penitentes do Santa Marta, o Reisado de Caretas de Potengi, no Ceará, A festa do boi de máscara de São Caetano de Odivelas, no Pará, entre outras manifestações. Para Diniz, a figura dos mestres é importante na condução dos grupos. “Tem essa questão da oralidade, a importância do mestre para manter essa tradição, o modo de conduzir essa tradição”.

Silva e Diniz lembram que muitas dessas manifestações são mantidas e renovadas com a participação dos mais jovens. Contudo, a partida dos mais velhos reforça a importância de políticas públicas que valorizem esses conhecimentos e garantam a mestras e mestres condições materiais de se manterem saudáveis e atuantes para que possam repassar os saberes e preservar a memória das tradições.

A PL 1176/11, conhecida como Lei dos Mestres, traz entre as propostas a garantia de um auxílio financeiro de, pelo menos, dois salários mínimos para pessoas que reconhecidamente representem a cultura brasileira tradicional, de acordo com critérios do Conselho Nacional de Política Cultural. Enquanto segue em debate na Câmara dos Deputados – onde tramita desde 2011 – alguns estados, como Ceará e Paraíba, já aprovaram leis semelhantes como forma de valorizar mestres e mestras.

“O princípio dessas leis é que a pessoa não tem que fazer um produto, não tem um evento, um bem cultural específico, uma ação cultural específica para receber determinado valor. É pela vida dela, pelo que ela já faz. Entendendo que a existência daquela pessoa, o saber imaterial dela, já é uma garantia da continuidade da cultura como um todo”, explica Silva.

Embora seja procurado por alguns jovens da cidade, mestre Verino suspeita que ninguém mais em Paraty saiba tocar bandolim como ele. “Tem quem toca violino, tem cavaquinho, mas esse instrumento aqui não conheço mais ninguém, não”, conta, enquanto tira algumas notas do bandolim pintado com tintas coloridas e enfeitado com uma imagem de Jesus Cristo.

BDF – Colheita consciente do fruto da juçara em quilombo ajuda a salvar espécie da extinção

Texto publicado no portal Brasil de Fato. Para ler a reportagem original, clique aqui.

O consumo dos frutos da juçara – palmeira típica da Mata Atlântica – têm ajudado a salvá-la da extinção. O risco chegou quando o palmito dessa árvore passou a ser extraído para comercialização em massa. O corte das palmeiras, em larga escala e sem respeito ao ciclo da planta, trouxe a ameaça para a espécie.

“Começaram a vir invasores na Mata Atlântica, cortar o palmito, fazer ‘envidrado’ pra vender e ela entrou em ameaça de extinção. Quando a gente entendeu isso, começou a fazer uma conscientização das pessoas sobre o quanto a juçara é mais importante em pé do que cortar e vender num pote de vidro”, explica Daniele Santos, integrante do Coletivo da Juçara do Quilombo do Campinho da Independência.

Os frutos que não rendem polpa são lançados de volta na mata para gerar novas árvores
O quilombo fica no município de Paraty-RJ e, por lá, alguns moradores se uniram para colher os frutos, extrair e comercializar a polpa da juçara.

Uma parte da produção fica no restaurante local e é servida como suco ou caipirinha. O restante vai para comércios da cidade ou para consumo próprio, de acordo com o desejo de quem colheu.

No mercado, o fruto da juçara ganha cada vez mais espaço e tem como apelo a semelhança com seu primo do norte, o açaí. A cor e o sabor são, de fato, parecidos, mas as plantas têm algumas diferenças.

De acordo com a nutricionista Lisa Cordeiro, moradora de Paraty e apreciadora dos frutos da região, a polpa da juçara é ainda mais nutritiva que o açaí.

“A juçara é superior em vários nutrientes, como o ferro, o potássio, até o manganês. As duas são boas fontes de nutrientes, mas a juçara tem o dobro. Além disso, são alimentos que têm potencial além de nutritivo, terapêutico. Ambos os frutos têm flavonoides, que são antioxidantes e combatem os radicais livres”, avalia.

Ronaldo Santos, que também faz parte do coletivo do Quilombo do Campinho da Independência, explica que, enquanto o açaí nasce em touceiras, com mais de uma árvore por muda, a juçara é uma planta solitária. Essa característica aumenta ainda mais o risco da sua extinção.

A valorização dos frutos evita a derrubada da palmeira e atende ao tempo natural da espécie
No entanto, antes da ameaça, o palmito fazia parte da cultura da comunidade.

“A gente sempre comeu juçara. Só que a nossa relação com a juçara no mato era de respeito aos ciclos. A gente nunca cortava uma árvore para extrair o palmito se não tivesse dado cacho, porque depois que dá cacho, as frutas caem, passarinho come, nascem novas árvores na mata”, lembra Ronaldo.

Fruto da palmeira juçara, espécie nativa da Mata Atlântica está ameaçada de extinção / Fundação Florestal/ Governo de SP

Agora, o consumo do palmito está relacionado às memórias de família e dos antepassados. A valorização dos frutos evita a derrubada da palmeira e atende ao tempo natural da espécie, cuja temporada de colheita é no período de outono e inverno.

Cada palmeira frutifica uma vez por ano e algumas árvores dão mais de um cacho.

Na organização do Quilombo do Campinho da Independência, há os coletores, que sobem nas palmeiras para pegar os cachos e selecionam os bons frutos; e os despolpadores, que extraem a polpa.

Os frutos que não rendem polpa são lançados de volta na mata para gerar novas árvores. As sementes também retornam à terra, alimentando o ciclo natural da espécie, e a juçara permanece integrada à vida da comunidade.

“A gente ama tomar suco de juçara, a gente ama ver os pássaros ao redor dos quintais e trazer esse equilíbrio para a fauna e para a flora”, ressalta Daniele.

OUTRAS PALAVRAS – Crônicas de uma trupe impedida de encantar

Texto publicado no portal Outras Palavras. Para ler a reportagem original, clique aqui.

São onze quiosques no caminho do início ao fim da praia do Jabaquara, um dos pontos turísticos de Paraty-RJ. Na areia, folhas de árvores formam pequenos montes. Alguém tem rastelado, mas ninguém recolhe. Diante do mar, uma estrutura metálica guarda caiaques e remos empilhados. Do outro lado da avenida, restaurantes e pousadas mantém as portas fechadas.

No alto da lona branca, três bandeirinhas tremulam com a brisa do mar. Embaixo, onde antes funcionava a bilheteria e o hall de entrada, estão cinco veículos, entre eles o carro de som que anunciava as atrações do Monte Carlo Circo Show. Na avenida, uma carreta guarda a lona principal.

Abraão Ulisses Alves, 36, pendura um fio elétrico com pequenas lâmpadas, como os enfeites de espelho de camarim, diante do seu motorhome. Ali, ele vive com a companheira, Fernanda, e os três filhos, Gabriel, Miguel e Kaleo. A família tem uma casa em Nova Iguaçu-RJ, mas permaneceu na residência móvel acreditando que em breve seguiriam adiante com os espetáculos.

A trupe, com 30 artistas, chegou em Paraty no final de fevereiro para temporada de um mês. Depois, seguiriam para a vila de Mambucaba, no município de Angra dos Reis. Quando a pandemia mudou os planos do grupo, os artistas contratados apressaram-se para garantir vaga nos últimos ônibus intermunicipais e interestaduais.

Na praia do Jabaquara, ficaram os familiares de Maria Abadia, 58 anos, mãe de Abraão e fundadora do Monte Carlo Circo Show. Ela chega ao gramado segurando uma caneca de café. Oferece, sorri e aponta em direção ao mar: “Demos sorte de parar aqui”.

Moradores do bairro Jabaquara fizeram pequenas doações de alimentos, como leite e pães. “Felizmente a gente tinha uma reserva para ir se mantendo”, conta Abraão. Com o prolongamento do período de espera e o dinheiro cada vez mais escasso, foi preciso garantir outras formas de auxílio. Num grupo de Whatsapp, Abraão soube da possibilidade de realizar cadastro para ter acesso às cestas básicas viabilizadas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro.

Do grupo acampado na praia, Abraão é o único com residência fixa. Maria nunca teve outra vida. De família circense, cresceu sob a lona e se aposentou recentemente, mas continua acompanhando as viagens ao lado do marido, Carlos, 61. Noutro veículo, estacionado debaixo de uma árvore, dormem Angélica, filha de Maria, o companheiro Fábio e os dois filhos, Gustavo e Angelina. Num caminhão debaixo da lona estão o casal Wagner e Rayane, primos de Abraão.

O Monte Carlo Circo Show existe há cerca de 20 anos e, pela primeira vez, tem as atividades paralisadas. “A gente nunca tira férias. Até no Natal, Ano Novo, mesmo sabendo que não vem ninguém, a gente trabalha”, conta Maria, que agora dedica o tempo às pequenas tarefas do dia a dia enquanto espera o retorno da normalidade. “A gente olha…” – diz ela, com o olhar passeando pelo gramado – “…Um dia desses, tava tudo montado, tinha espetáculo”.

O Homem Aranha, desenhado em uma das carretas, é uma das atrações principais, junto com outros personagens de filmes e jogos. “Tem Backyardigans, Patrulha Canina, os Super herois”, Abraão enumera.

“Quando tinha os animais, vinha muita gente. Mas isso acabou faz tempo”, lembra Maria. “Tem que ir renovando”, explica Abraão.

Na terceira semana de abril, quando completavam quase dois meses sem espetáculos, os artistas encenaram mais uma inovação: o palhaço Pepito, personagem de Fábio, fez sua primeira apresentação ao vivo no Facebook, com participação do filho, Gustavo, malabarista. Tiveram quase 3 mil visualizações. Além dos números e brincadeiras, usaram a apresentação para pedir ao público doações de cestas básicas para a rede de artistas circenses, que segue organizada no Whatsapp para troca de auxílio.

“Uma moça que passou aqui falou que vai ver se libera o wifi de uma pousada” conta Fábio, apontando os imóveis de porta fechada do outro lado da avenida. “Dai, quem sabe, a gente vai fazendo outras”. 

Por enquanto, os artistas permanecem na praia sem saber quando poderão reerguer a lona principal.

PIAUÍ – Utopia na roça: uma sertaneja e a ditadura militar

Matéria publicada no portal e na versão impressa da Revista Piauí, edição de fevereiro de 2020.

O diabete embaçou a vista de Geralda de Brito Oliveira, de 78 anos. Ela apoia as mãos sobre a mesa e curva o corpo até sentir a cadeira. Senta-se. E logo se levanta, com a mesma vagarosidade. Repete o movimento várias vezes. Quer dar atenção a tudo: à comida no fogão, às visitas, à mesa posta – copos, xícaras, duas garrafas de café e uma tigela cheia de pães de queijo, tudo iluminado pelo sol das quatro da tarde.

Dona Geralda – como é conhecida – dá mais uma olhada na panela onde borbulha a sopa de legumes do jantar. O fogão a lenha, lugar de honra, fica num cômodo anexo à casa, no terreiro, com cobertura de telhas novas e apoiadas em pilares de madeira. Nesse espaço são recebidas as visitas, em torno de uma mesa, na Fazenda Menino, em Arinos, noroeste de Minas Gerais, onde ela vive com o marido, José Rodrigues de Oliveira, de 84 anos.

De tempos em tempos, alguém de longe bate à porta para ouvir a sua história. Ajeitando os cabelos brancos, dona Geralda diz: “Você quer ver o livro? Pera lá que eu vou buscar.”

Ela desaparece pela porta dos fundos da casa – uma construção de mais de cinquenta anos, com tijolos aparentes – e retorna com uma publicação de capa grossa. É o volume dois do relatório final da Comissão da Verdade em Minas Gerais, a COVEMG, publicado em dezembro de 2017: As Graves Violações de Direitos Humanos no Campo (1961-1988). Entre as páginas 112 e 117, conta-se o ocorrido, no trecho assim intitulado: “Dona Geralda resiste: a repressão na Fazenda Menino.”

Professora rural, dona Geralda foi trabalhar nos anos 1950 como administradora da Fazenda Menino, propriedade do empresário carioca de ascendência alemã Max Hermann. Em meados daquela década, ele tinha resolvido construir ali, numa área de 90 mil hectares, uma cidade que se chamaria Marina, o mesmo nome de sua mulher.

Cliquei aqui para ler a matéria completa na Revista Piauí.

TRIP – Sertão feminino

Reportagem publicada originalmente na Revista TPM. 

Flavia caminhava em silêncio. Fátima sentiu dores e preferiu, em alguns trechos, seguir de carro. Patricia, ao fim da caminhada, observava as marcas de sol no peito, ao lado da cicatriz.

Na noite de 12 de julho, elas abriam largos sorrisos. Haviam caminhado 180 quilômetros ao longo de seis dias. No lugar da linha de chegada, encontraram uma fogueira. Acima das cabeças, céu clareado de estrelas. Era o fim de mais uma edição do Caminho do Sertão, jornada pelos vales dos rios Urucuia e Carinhanha, na região noroeste de Minas Gerais.

A proposta é utilizar a caminhada como meio de conhecimento. No roteiro, arte e cultura se unem às observações da natureza, tradições e relações sociais. Na andança pelo cerrado mineiro, o grupo passa por paisagens descritas no romance Grande Sertão: Veredas, do escritor João Guimarães Rosa (1908-1967). Comunidades tradicionais, como quilombolas, e propriedades de prática de agricultura familiar também estão na rota.

Adentrando o sertão

Os pontos de início e fim do roteiro remetem à obra de Guimarães Rosa. Sagarana, livro de contos publicado em 1946, é também o nome da vila de cerca de 600 habitantes onde tem início a caminhada. Seis dias depois, o grupo chega à cidade de Chapada Gaúcha e termina a jornada com uma visita ao Parque Grande Sertão Veredas. Dos nomes às paisagens, o trabalho do escritor permeia todo o caminho. Quem tem conhecimento da obra, logo reconhece os buritis (espécie de palmeira) ou percebe, no sotaque dos moradores da região, a semelhança com passagens dos livros.

A proximidade com a literatura é um dos critérios de seleção dos participantes. Além disso, têm preferência moradores de comunidades tradicionais da região do roteiro e “sonhadores, ativistas culturais e socioambientais, músicos, artistas populares, escritores e poetas”, como informado no edital de seleção, entre outras característica favoráveis ao pretendente a caminhante. Qualquer pessoa pode se inscrever e o número de selecionados varia, em cada ano, de acordo com os recursos disponíveis para a realização do evento.

Nas duas últimas edições, o processo seletivo exigiu carta escrita à mão. No papel, os relatos femininos se destacavam por quantidade. Os dados da primeira e segunda edições, realizadas em 2014 e 2015, não estavam disponíveis. Contudo, pelo menos desde 2016, as mulheres são maioria entre as pessoas interessadas em fazer a caminhada. Em 2019, foram 408 inscritos e 82 selecionados, sendo 55 mulheres. Em 2018, elas eram 42 dos 57 escolhidos. De acordo com a organização do Caminho do Sertão, a porcentagem anual de inscrições femininas é de, em média, 70%. Esses dados definem a composição do grupo. Ano após ano, os pés femininos dominam a marcha sertão adentro.

Primeiros passos

Antes de partir em caminhada, o grupo se reúne em um ginásio, na vila de Sagarana. Sentados em círculo, recebem orientações sobre cuidados consigo, com o outro e com o ambiente onde, pelos dias seguintes, andarão e farão pouso. Cada pessoa se apresenta, dizendo de onde vem e por que está ali. Depois, convida alguém para fazer o mesmo.

Quando Fátima Cristina Silva entrou na roda, tinha os olhos marejados. Os pés, inquietos, a conduziam para frente e para trás. As palavras saíam entrecortadas por suspiros. “Eu sou casada há 40 anos. Estou aqui para, depois, voltar e re-conhecer essa pessoa que vive comigo”, disse, fazendo pausa entre o “re” e o “conhecer.

Mãe de duas mulheres e um homem, há poucos meses, Fátima tornou-se avó. E, agora, redefine a percepção sobre si e sobre a relação com o marido. Aos 56 anos, ela nunca havia feito uma caminhada desse tipo. Lançar-se na aventura e testar os limites do corpo significa, também, redescobrir-se. “O desafio estava posto, assim como meus filhos que alçaram voos, estava eu ali também alçando voos que jamais tinha imaginado”.

Pesquisadora na área de desenvolvimento de territórios sustentáveis, ela viu na proposta de imersão no cerrado uma possibilidade de adquirir conhecimento para aplicar ao trabalho. Logo no início, percebeu que a experiência poderia ir além do campo profissional. Afinal, caminhar por seis dias ao lado de pessoas desconhecidas é um exercício de sair da zona de conforto.

Com o passar dos quilômetros, o andar ficou lento. Num trecho, quando o sol ardia e os passos vacilavam sobre a areia fofa, Fátima apertava os olhos, exprimindo a dor sentida nos pés. O corpo pendia sobre a perna esquerda para aliviar o pé direito. O suor escorria em linhas por debaixo da aba do chapéu. Ali, decidiu entrar no carro de apoio.

Respeitar os limites do corpo foi um dos aprendizados. As longas horas andando sob sol, as conversas em grupo e o compartilhamento de experiências trouxeram também outras reflexões, lembrando-a das razões de estar ali. “Foi tempo de reviver, relembrar, reolhar, ressignificar, recriar e tantos outros ‘re’… Repensar, pensar, reelaborar… resiliência!”.

Encontros silenciosos

Em determinados trechos, os caminhantes encontram carros para reabastecer as garrafas d’água ou acalmar o estômago com alguma fruta. Encostado à lateral de uma caminhonete, um rapaz separava bananas de uma penca. Dentro da carroceria, um facão repousava ao lado dos pedaços de melancia. Flavia se aproxima. O rapaz brinca: “Fala qual você quer, e eu te dou”. Ela sorri e aponta a melancia.

Os passos da estudante Flavia Megda, 23, tinham a mesma leveza das suas palavras. Com fala pausada, ela explicou a razão pela qual ninguém ouviria sua voz durante as horas de caminhada. “Há pouco tempo, meu avô encantou-se, que é como se diz aqui em Minas quando alguém morre. Ele era uma pessoa muito quieta, passava, às vezes, dias em silêncio. Por isso, em homenagem a ele, vou fazer a caminhada em silêncio”.

Quando, logo após o nascer do sol, o grupo pegava a estrada, Flavia silenciava e só retomava os diálogos ao fim de cada trajeto. Respondia com sorrisos e acenos às conversas e brincadeiras. Num ambientes de muitas conversas – todos ali estavam conhecendo uns as outros, passando dias e noites juntos – ela sentiu-se desafiada.

“Chegou um momento que eu senti muita necessidade de interagir, de falar, de rir, de cantar. Isso foi no penúltimo dia de caminhada”. Nesse dia, o grupo caminha 14 quilômetros, entre subida e descida da Serra das Araras, sem contar com veículo para resgate e reabastecimento de água e alimento. É um dos trechos mais desafiadores do roteiro. Por isso, os caminhantes recebem o aviso: quem não está preparado, não vá.

Flavia aceitou o desafio, mas desistiu do silêncio. Ali, falou de tudo. Apesar de quebrar o pacto, tirou aprendizado da experiência. “Eu realmente conseguia esperar, digerir algo, ver se era realmente necessário e isso tá refletindo até hoje. Quando eu vou falar alguma coisa, eu tô me percebendo pensando: será que isso é realmente necessário falar?”.

O silêncio também foi companheiro da professora Patrícia Chavda, 53. No último dia de caminhada, andando sozinha durante parte do trajeto, ela compreendeu suas dores emocionais.

“As reflexões propostas (…) O corpo no limite do cansaço, me deixou num estado de não-estado, totalmente em movimento. Foi inevitável não transbordar as minhas histórias todas numa linha de tempo em vaivém”, lembra. Na caminhada, ela rememorou um fato traumático, sentiu vontade de falar sobre ele e encontrou espaço para isso.

O Caminho do Sertão começa como termina: com roda de conversa. Mais íntimos uns dos outros, alguns sentiam-se à vontade para contar histórias pessoais digeridas ao longo dos seis dias. Nesse momento, Patrícia falou em público, pela primeira vez, sobre a tentativa de feminicídio sofrida. Ela leva no peito a cicatriz da facada. Teve pulmão perfurado, passou por cirurgia. O agressor, homem com quem foi casada por 14 anos, cometeu suicídio em seguida. Os dois filhos do casal presenciaram tudo.

“Então, no momento em que expressei parte da minha experiência de vida na roda de conversas final, com certeza o sentimento era de vertigem ao final de dias tão intensos. Antes de iniciar a caminhada, eu estava ciente do desafio do percurso em termos de esforço físico e algumas privações de conforto. A surpresa foi esse “deslocamento” interno mais visceral que o próprio corpo!”, observa.

Ao fim do relato, Patrícia recebeu olhares afetuosos de Fátima, de Flávia, de Marina, que caminhava cantado as canções preferidas dos filhos; de Haydée, que, num riacho silencioso, livrou-se do sutiã; de Gabriela, que animou o grupo cantando sambas; de Julia, que caminhou ao lado do pai; de Daisy, que leva no peito a tatuagem ni dios ni patron ni marido; e, se possível fosse, de Diadorim, personagem do livro Grande Sertão: Veredas, mulher escondida sob trajes de homem para ser aceita no bando de jagunços cujos rastros fictícios marcaram aqueles caminhos tão reais do sertão mineiro.

Leia a reportagem original neste link.

ALMA PRETA – Após perder o dedo, jovem negro cria nova forma de tocar e agora vai estudar em Londres

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*Texto originalmente publicado no portal Alma Preta

Christian Gabriel dos Santos, 19 anos, vai estudar em uma das melhores instituições de música do mundo. Em dezembro de 2017, recebeu a notícia: é um dos selecionados para compor o corpo discente da Royal Academy of Music, em Londres. Desde 2017, Christian é aluno da Escola de Música do Estado de São Paulo e bolsista na Orquestra Jovem do Estado. A mudança para São Paulo marcou a saída de Duartina, cidade de 13 mil habitantes no interior do estado, onde nasceu, cresceu e teve o primeiro contato com a música.

A primeira vez que o jovem segurou uma viola de arco – instrumento semelhante a um violino – foi em 2010, como integrante do projeto social Musicrescer, na cidade natal. “Era onde eu poderia ter um instrumento gratuito para estudar, sem que precisasse comprar, já que isso não era possível”, lembra.

“Quem é aquele pretinho sem um dedo ali? Sou eu!”

Quem ouve, não nota. Somente o olhar treinado é capaz de perceber que, na mão onde se apoia a extremidade da viola, falta um dedo. Foi numa das estruturas metálicas erguidas pela prefeitura da cidade para sustento de decorações natalinas que Christian, aos 5 anos, subiu e prendeu a mão. Despencou de lá. O dedo ficou.

Anos mais tarde, o pai, trabalhador rural e principal responsável pela criação do menino e do irmão três anos mais velho, concordou em matriculá-lo no projeto social para aprendizado de música.

Christian Gabriel dos Santos, de apenas 19 anos, foi selecionado para estudar na Royal Academy of Music, em Londres (FOTO: Acervo Pessoal)

“Tinha que fazer alguma coisa, porque eu era hiperativo, então tinha que direcionar a energia”, conta. Christian passou a dividir os dias da semana entre as aulas no ensino regular, pela manhã, e o estudo de música, a noite. Depois, ainda treinava em casa “mais umas 2 horinhas, estudando baixinho” para não atrapalhar o sono da família ou dos vizinhos.

O dedo mindinho esquerdo é essencial para as notas da viola. Da parte ausente, ele tirou aprendizado. Desenvolveu uma técnica própria para tocar o instrumento e, com ajuda do professor Willian Cunha, do Conservatório Dramático e Musical de Tatuí-SP, registrou o método que agora pode servir de apoio para outros músicos com o mesmo problema.

“Ele (Willian) estruturou todas as ideias que eu tinha sobre como tocar viola sem um dedo e me passou as bases de como estudar com foco e nunca desistir”.

Talentoso, Christian precisa arrecadar dinheiro para estudar Londres

“Nunca tive apoio financeiro da minha família”, explica. O pai sempre trabalhou na roça e foi o principal responsável pelo sustento da casa e das crianças. Para pagar a viagem a Londres, Christian lançou uma campanha on-line por meio da plataforma Vakinha. Qualquer ajuda é bem-vinda. Além disso, o jovem espera conquistar patrocinadores para ajudá-lo a financiar os estudos. Nas redes sociais, tem recebido apoio de amigos, colegas do universo da música e professores.

“Para mim é uma grande alegria e satisfação tê-lo como aluno. Ele é muito musical, expressivo, dedicado… não mede esforços para alcançar aquilo que quer!”, ressalta Mariana Costa Gomes, professora na Escola de Música do Estado de São Paulo.


De acordo com a assessoria de imprensa da instituição, 837 pessoas participaram das audições; apenas três do Brasil. Atualmente, seis brasileiros estudam na Royal Academy of Music.

As aulas começam em setembro. Christian foi selecionado após uma série de audições realizadas diversos países. Para concorrer, enviou três vídeos: um de apresentação e dois tocando peças de acordo com o edital da instituição. Agora, dedica-se ao aperfeiçoamento do inglês – idioma que começou a estudar por conta própria – e já faz planos para vida no exterior.

“Você imagina? Um dia, a gente tocando pra rainha, ela vai olhar aquela gente toda e pensar: quem é aquele pretinho sem um dedo ali? Sou eu!”. (risos)

Saiba como ajudar Christian a realizar o sonho de estudar na Inglaterra

Para ajudar, basta clicar aqui. O botão para a contribuição na campanha de Christian fica no final da página e você pode contribuir com qualquer valor.

 

Confira aqui o texto original.

 

Conheça Christiania, a comunidade alternativa de Copenhague

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*Texto originalmente publicado no portal DPB Intercâmbio.

Quem entra pelos portões de Christiania sem saber do que se trata não demora a ter uma ideia do que se passa por ali. O cheiro no ar dá a primeira pista. Christiania é uma comunidade alternativa localizada em um parque no centro de Copenhague, capital da Dinamarca. Apesar da legislação Dinamarquesa proibir o comércio de maconha, naquele espaço a lei encontra uma brecha. Dos portões para dentro, as regras da comunidade são respeitadas.

Mas Christiania é muito mais do que um parque onde a fumaça sobe sem passar pelas barreiras da lei. Por lá, moram atualmente cerca de mil pessoas que têm o privilégio de viver em contato com a natureza em uma comunidade que preza pela sustentabilidade. Carro por ali não entra, a culinária vegana  (sem uso de qualquer produto de origem animal) tem prioridade e as expressões artísticas têm espaço garantido. Há shows, galerias de arte, museus e o grafite dá cor aos muros de várias construções no bairro.

Hoje, 24 de setembro, a comunidade completa 44 anos de existência; e é atualmente um dos principais pontos turísticos de Copenhague. No final de agosto, passei uma tarde por lá, conversando com moradores, visitantes e fotografando alguns grafites onde foi possível. Tirar fotos em alguns trechos de Christiania é proibido, já que a ideia é preservar a privacidade de quem está por ali.

Um dos moradores, um dinamarquês de cerca de 55 anos, me contou em uma conversa informal um pouco da vida por lá. Mensalmente, cada morador colabora com uma quantia em dinheiro para garantir a limpeza das áreas comuns e os cuidados com as crianças menores de 7 anos, que frequentam creches dentro da comunidade até atingirem a idade de ir para a escola. Então, elas passam a estudar fora do bairro. Muitos moradores também trabalham do lado de fora dos portões. “Eles pagam imposto duas vezes. Pagam lá fora, porque trabalham lá, e pagam aqui dentro, porque ajudam mensalmente”, conta um deles.

A comunidade não tem nenhum tipo de líder político. Cada morador é responsável pela sua casa e pelos seus atos. As decisões que envolvem o espaço comum são tomadas em grupo, em reuniões para as quais todos são convocados.

História

Em 1971, a área onde hoje fica Christiania era uma base militar abandonada. Alguns registros dão conta de que o lugar foi tomado por hippies e artistas, que deram início à comunidade. Mas, de acordo com um morador do local, os primeiros a derrubar as cercas da base foram moradores da região, com o objetivo de construir ali um parque para as crianças. O fato é que tanto os hippies quanto os moradores locais se entenderam bem. Até hoje, Christiania é um lugar agradável para as crianças e que ainda conserva o estilo de vida “paz e amor” dos hippies.

Durante anos, a comunidade viveu em conflito com o estado Dinamarquês, pois se opunha a se submeter às leis do país. A ideia sempre foi manter Christiania à parte da constituição, como uma comunidade com suas próprias regras estabelecidas pelos moradores. Em 2011, um acordo foi firmado e em julho de 2012 foi criada a Fundação “Freetown Christiania”, responsável por cuidar do terreno, controlar a entrada de moradores e a concessão de moradias. Existe atualmente uma lista informal de pessoas que desejam viver por lá, mas a entrada tem que ser controlada, já que o respeito à natureza – e, consequentemente o controle da construção de novas casas – é prioridade.

 

O lugar

As casas, quase todas, são de madeira. Muitas ficam espalhadas pelo bosque. Na região da praça central, estão concentradas as barracas de artesanatos. Mas os brincos e anéis não são o produto principal vendido em Christiania. Ao lado da feira de artesanato, há algumas barracas pequenas onde ficam expostas logo no balcão as porções de maconha e biscoitos feito com a erva. Por ainda ser um comércio ilegal – apesar da polícia não ir até lá – alguns dos vendedores preferem esconder o rosto atrás de óculos escuros e tocas pretas. Quem compra pode fumar ali mesmo, ou procurar um lugar mais reservado dentro do bosque.

Em Christiania há também muitos cafés e bares, e os pratos principais são veganos. As ruas do bairro são de paralelepípedo ou de terra. Há alguns galpões de alvenaria, onde funcionam bares. Lá dentro, tem gente de todas as idades bebendo cerveja, fumando, ouvindo um som ou jogando gamão.

A maioria das pessoas que andam pelas ruas do bairro, principalmente na parte central, são turistas. Entre os vendedores de artesanato, há os que moram lá e os que vivem fora. O francês Patrick, de cerca de 40 anos, é um dos que vêm do lado de fora do portão. Ele mora e trabalha em Copenhague, e apesar de estar em Christiania todo fim de semana, não vende mercadoria alguma. Patrick empurra um carrinho cheio de livros, todos doados, que ele passa adiante. Já é figura conhecida dos moradores e conta que vai lá para entregar livros, conversar com as pessoas, beber e fumar. Em seu carrinho, há livros gêneros e idiomas variados. No dia em que conversamos, seu carro-biblioteca ostentava uma bandeira do Uzbequistão. Ele explicou que aquele era o dia da independência do país. Depois, me perguntou a data da independência do Brasil e lamentou não poder usar a bandeira verde e amarela neste ano. Tirou o celular do bolso, consultou o calendário e me garantiu: ano que vem, no dia 7 de setembro, vai pendurar em seu carrinho a bandeira verde e amarela onde lemos “ordem e progresso”.

Brasileiros ‘mergulham’ no Vale do Silício em busca de inspiração

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*Texto originalmente publicado na revista Exame por meio do portal Dino

O que o Vale do Silício pode nos ensinar sobre soluções para crises? É o que o grupo de 18 brasileiros participante da 12ª Edição da Missão de Negócios ao Vale do Silício vai descobrir em breve.

Eles partem para o vale do São Francisco no final de fevereiro, liderados pela equipe da IIN – Imersão de Negócios ao Vale do Silício, empresa brasileira que trabalha realizando expedições para a famosa região norte americana. É lá que estão modelos de negócios que nos dão uma pista sobre o futuro das corporações.

Os participantes, de diversas áreas, têm uma característica em comum: o espírito empreendedor; e compartilham um objetivo: o aprendizado. Por isso, o roteiro da expedição é traçado de modo que o grupo tenha contato com empresas de sucesso, novos modelos de negócios, pessoas e ideias inovadoras.

“O objetivo é demonstrar os bastidores desta região tida como a mais inovadora e empreendedora do mundo, onde realizamos visitas técnicas em empresas, universidades e aceleradoras de startups para compreender o mindset americano e o comportamento que faz dessas empresas grandes potências que vêm transformando diversos setores como serviços, varejo e indústria”, afirma André Bianchi, fundador e diretor de negócios da IIN.

Aprender lá para aplicar aqui. É esse o principal objetivo da Missão, que coloca brasileiros em contato com casos de sucesso para que voltem com ideias para superar o momento de crise no mercado nacional. “Os empresários poderão identificar novas oportunidades para potencializar suas vendas, fazer novos parceiros estratégicos e fornecedores para reduzir custos”, revela Joyce Bianchi, executiva da IIN.

Além disso, os visitantes terão acesso a tecnologias inovadoras e networking privilegiado que os colocarão à frente da concorrência. “Eles poderão conhecer pessoalmente os empreendedores que estão no Vale e ouvir deles como estão acelerando seus negócios”, completou Bianchi.

O roteiro pelo Vale do Silício

Você sabe o que é um unicórnio no mundo dos negócios? São as empresas que atingiram valor de mercado acima de 1 bilhão de dólares. E elas estão no roteiro do grupo, representadas pela Rocket Space, uma das mais tradicionais aceleradoras de startups que tem em seu portfólio Uber, Zappos e Spotify.

Haverá visitas a startups como Labdoor, do setor de suplementos alimentares e Oaktech.co, com serviços direcionados à aceleração de projetos para empresas que pretendem entrar nos Estados Unidos ou globalizar seus negócios. Na Tesla, empresa fundada pelo visionário Elon Musk, a pauta é a transformação que as indústrias lideradas por ele vêm trazendo por meio do seu modelo de negócios. Na sede do Google, os participantes da 12ª Edição da Missão farão uma visita guiada. E haverá uma pausa para um lanche especial no Eatsa, um restaurante que opera sem funcionários.

Para trabalhar a mente e ir além, o grupo terá uma oficina de Design Thinking com Pedro Cintra, diretor na sede da maior empresa do mundo no setor de buscas, e Mariangela Smania, certificada em “Design Thinking e a Arte de Inovação” concedida pela d.School

Pedro e Mariangela propõem uma forma de ver o mundo focada nas pessoas e trazem técnicas e ferramentas de análise de problemas, pressupostos e dependências. A oficina de Design Thinking leva os participantes a avaliar o que é um verdadeiro problema e a pensar o modelo mental de crescimento versus modelo mental fixo.

Durante os 5 dias da imersão, o grupo fará visitas a diversas startups e será recebido por seus fundadores ou CEOs. Atividades de networking fazem parte do roteiro. Nas conversas, os temas giram em torno de inovação, tecnologia, comportamento do consumidor e outros assuntos necessários aos empreendedores que buscam desvendar o atual mercado e se lançar com sucesso no futuro.

“Nas edições anteriores, visitamos Circuit Launch, Google, Facebook, Asteroide, BovControl, OneSkin, Babel Ventures, Universidade de Stanford, Uber, Labdoor, Salesforce, aceleradoras de startups e fundos de investimento. A proposta é levar empresários brasileiros para acessar conteúdo por meio de novas experiências, observar oportunidades e praticar muito networking”, lembra André.

Com mais de dez viagens de imersão no currículo, os executivos da IIN têm conhecimento para analisar as necessidades dos brasileiros e traçar um roteiro acertado.

Uma dica para os empreendedores vem de Pedro Gadelha, diretor de Marketing da IIN, que avalia: as empresas brasileiras devem ser menos tímidas no que se refere ao mercado exterior. “Deve-se levar em consideração que nem sempre a questão de internacionalizar é vender produtos lá fora, mas sim criar parcerias ou até mesmo fundar uma nova empresa com pessoas conhecidas nestas missões”, aponta.

Quer participar?

A 13ª Edição acontece no final de abril. Para mais informações, acesse: http://www.missaonovaledosilicio.com.br

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Confira aqui o texto original.